Exposições
Terceira Margem | Coletiva
Sobre o autor
Participam da exposição: Adriana Montenegro, Ana Lígia Emery, Ana Saramago, Angela Rolim, Carmem Lopes, Caroline Valansi, Daniela Justus, Greice Rosa, Jafet Vieira, Julieta Roitman, Leonardo Ayres, Magnus Vaena, Marcia Baís, Mauro Buhler, Marcelo Kraus, Marcellus Machado, Marco Antonio Portela, Marisol França, Roberta Portas, Samara Sá, Simone Rodrigues, Sônia Meilman, Taís Monteiro.
Texto crítico
Dois homens se encontram casualmente num banco à margem do rio Charles, em Cambridge. Os dois (um jovem e um outro velho) são personagens de um conto de Borges, duplos de uma só pessoa, tempos distintos e paralelos da própria história do escritor. Presente e passado sentam-se nesse mesmo banco que pertence, simultaneamente, a dois tempos e a dois lugares, lado a lado, diante do correr da água; como se a linha temporal fosse entortada, desviando seu curso programado e linear. Diante do espanto deste encontro, Borges, o velho, tenta tranqüilizar o outro, o jovem: “afinal de contas, ao rememorar, não há pessoa que não se encontre consigo mesma”, diz numa espécie de compaixão. Ele (o mesmo) e ele (o outro) se cruzam nesse presente de tempos múltiplos, dobra temporal, na terceira margem, perto e longe, meio a meio. Os trabalhos aqui expostos procuram realizar um movimento parecido: reencontram consigo mesmo no passado, descobrindo mananciais técnicos e plásticos para uma alquimia própria dos domínios contemporâneos.
Aqui a fotografia – senhora de mais de cento e cinqüenta anos – olha ela pra ela mesma, outra e jovem, demasiadamente distinta e, ao mesmo tempo, dona de tantas alegrias comuns. Através dessa coletiva, o público, então, também reencontra aquela moça fotográfica, que, na efervescência de inéditos processos, produziu tantas invenções e métodos criativos como calótipos, cianótipos e daguerriótipos. Numa espécie de dobra temporal, os artistas incorporam o espírito dos primeiros inventores e são tomados por um feitiço inventivo e uma alma infantil que se ousa nas aventuras do acaso. O passado é, incorporado ao hoje, reenquadrado em presente, tornando todas as técnicas atuais e abrindo portas para novas experiências. É como se nesse recuo de olhar, tentássemos sair de nosso tempo, “dessa água que não pára, de longas beiras” atingindo uma terceira margem – fora do tempo, mas estando, no entanto, cada vez mais dentro de nosso tempo: nós “rio abaixo, rio afora, rio adentro”, nós inevitavelmente no rio, no tempo, no contemporâneo.
Claudia Linhares Sanz, abril de 2006.