Exposições
Porto: entre os espíritos e os peixes | Valda Nogueira
Sobre o autor
Valda Nogueira atua em fotografia documental humanista. Atualmente estuda Artes Visuais da UERJ. Povos, territórios e cultura são os temas centrais em seus projetos. É formada pela Escola de Fotógrafos Populares do Observatório de Favelas.
Texto crítico
Em 2009, Valda Nogueira, então com 24 anos e ainda sem pensar em se tornar fotógrafa, ensaiou seus primeiros cliques retratando a figura de Iemanjá, em meio a outras imagens mais lúdicas, na praia do Cardo, em Sepetiba. A escultura de proporções dignas de deuses e mitos, incrustada entre pedras ora cobertas pelo mar, entrava para seu álbum como uma imagem memorial do bairro onde cresceu e passou a maior parte de sua vida.
Foi a vontade de apreender a memória daquele universo e de reiterá-lo como território não simplesmente físico, mas sobretudo simbólico, de nossa afetividade para com a natureza e a espiritualidade que levou Valda a revisitá-lo quase mensalmente, desde 2012, para dedicar-lhe um projeto documental. Hoje, o espectro daquela mesma Iemanjá, que materialmente não existe mais, parece nos retornar, avançando pela praia, em uma das fotografias feitas anos mais tarde.
O trabalho atravessa a trajetória da fotógrafa – desde os anos de flerte com a fotografia, ao incluir algumas imagens do período amador; passando por seus anos formativos na Escola de Fotógrafos Populares da Maré, quando a série foi propriamente iniciada; até o momento atual, de jovem profissional dedicada a causas sociais, e seu prolongamento no futuro, já que o projeto segue em andamento.
Porto: entre os espíritos e os peixes é o primeiro projeto pessoal de Valda Nogueira e, hoje, uma seleção de suas imagens compõe sua primeira exposição individual. Nesta série, sua abordagem se mostra menos preocupada em encontrar narrativas e mais dada a representar uma experiência daquele espaço, privilegiando um certo caráter animista, como se fosse possível acessar a própria alma do lugar.
A espiritualidade que emana de nossa relação com a natureza é memorada, aqui, por meio da simples contemplação de fenômenos naturais (ainda que a modernidade nos apresse), de práticas religiosas intrinsecamente ligadas à natureza (a despeito da intolerância que as persegue) ou da atividade de subsistência regida pelo ciclo das marés (apesar da degradação que causamos). Todas, elementos essenciais do cotidiano, formadoras da história da comunidade praiana.
Porto resgata uma imagem, ao mesmo tempo, de simbiose e de resistência para Sepetiba, na qual não são os ritos aos Orixás ou os da pesca que vemos nem manifestações espetaculares das águas do céu e do mar. A série nos apresenta traços de nossa passagem por ali – ou pelo mundo –, indícios de nossa permanência como seres incontornavelmente integrantes e integrados pela natureza, ainda que muito desta relação passe pelo viés da cultura. E Sepetiba, bairro da Zona Oeste carioca, parece encarnar um lugar originário: do olhar de Valda e do encontro do homem com o que está além e ainda é extensão de si mesmo.
Daniella Géo
curadora