Exposições
Forró dos Sentidos | Marcelo Corrêa
Sobre o autor
Marcelo Correa é um atuante fotógrafo carioca, colabora regularmente com diversas publicações brasileiras realizando principalmente retratos e ensaios fotográficos. Suas fotos já estiveram nas páginas de Trip, Lola, Claudia, Elle , Quem, Gol, Vip, Playboy, Veja, Época, Exame, PME, PEGN, Criativa, Sem Numero, Mens`health, dentre outras. Realiza também trabalhos com agencias de design e publicidade onde participa principalmente de projetos de livro e CD.
Desenvolve pesquisas pessoais onde destaca-se como Finalista do Prêmio Conrado Wessel 2011 com o projeto “Até um outro amanhecer” e entre seus trabalhos mais conhecidos está a documentação poética Forró dos Sentidos.
Este projeto recebeu a Bolsa Vitae e foi também selecionado entre os melhores portfólios apresentados no Fotorio 2003 e Fotoarte Brasília 2004.
Uma de suas imagens foi solicitada para cartaz e material promocional do Estivales de Perpignan em julho de 2005 durante o ano do Brasil na França e outra imagem participou da Designmai em Berlin em maio de 2006 a convite do Designer Felipe Taborda. O mesmo o convidou para as exposições : A Imagem do Som do Samba (2007) e da MPB (2006).
Texto crítico
O nordestino é nostálgico. Em sua terra natal, preserva ciosamente as tradições passadas de pai para filho, por gerações sucessivas irmanadas no mesmo orgulho regionalista. O retirante torna-se ainda mais aferrado a tudo aquilo que possa evocar a terra abandonada a contragosto em busca de melhores condições de vida. Na cidade grande, sente saudades das pequenas povoações. À beira-mar, sonha com a aridez da caatinga. Na montanha, evoca as velas das jangadas rumando em direção à linha do horizonte.De saudade em saudade, de lamento em lamento, de nostalgia em nostalgia, o nordestino desenraizado desenha na mente um nordeste mítico, um universo paralelo, que encontra na Feira do Nordeste do Rio de Janeiro uma de suas portas de entrada. Nascida ao lado do Pavilhão de São Cristóvão, que hoje lhe serve de abrigo, essa feira é uma embaixada da região no Rio de Janeiro, um oásis nordestino mais nordestino até do que o próprio nordeste.
Isto porque, se é possível ser nordestino distraidamente e sem premeditação no nordeste, aqui no Rio o exercício da nordestinidade é uma profissão de fé, a afirmação consciente dos valores regionais que se busca preservar. E, para se aferir a importância deste enclave carioca do nordeste, basta dizer que o Rio de Janeiro é hoje um dos mais importantes centros de produção de literatura de cordel fora do nordeste, posição rivalizada apenas por São Paulo.A proposta de Marcelo Corrêa foi a de documentar a Feira do Nordeste num momento crucial de sua história: o período de transição entre a rua onde nasceu, com o agreste e poeirento jeito de feira livre, e o interior do pavilhão, onde veio a adquirir as feições de um mercado permanente, dotado de infra-estrutura e condições sanitárias adequadas. As vantagens desta mudança são múltiplas e inquestionáveis, dispensando maiores comentários, valendo salientar apenas dois aspectos fundamentais. O primeiro: a dilatação do prazo de funcionamento para englobar os dias úteis, medida responsável pela inscrição definitiva da feira no circuito turístico carioca.
O segundo: a instalação do palco fixo, que transformou a feira num fórum permanente de experimentação musical responsável pela sedução de toda uma parcela da juventude até então não familiarizada com os ritmos do nordeste.Contudo, se a nova feição da feira beneficiou seus freqüentadores, revelou ser menos sedutora para Marcelo Corrêa, que encontrava no verdadeiro cafarnaum da feira de rua, temas mais inspiradores para suas experiências visuais. Mas, só podemos afirmar isso porque ele o revelou, pois, para o observador/leitor de suas imagens, ambas as séries — externa e interna — são igualmente sedutoras e perfeitamente alinhavadas com um fio invisível que as une num todo de aparência inconsútil. Recusando-se a estabelecer um mero inventário visual da feira, Marcelo a esviscera, expondo não só as entranhas, como a alma e sua desconcertante beleza. Alinha-se assim com a tendência da moderna escola inglesa comprovadora de que a fotografia documental não precisa ser subserviente ao olhar jornalístico nem antropológico, deixando espaço para uma subjetividade mais eficaz do que o realismo asséptico e frio.
Insuflado pelo mesmo entusiasmo presente na produção baiana de Miguel Rio Branco —entusiasmo capaz de discernir a beleza onde outros só enxergam o feio e o grotesco —, Marcelo Corrêa atingiu também um nível de realização exemplar, produzindo um ensaio digno de admiração e respeito, que o insere desde já entre os melhores fotógrafos de cor do Brasil.O fato de este trabalho ter sido financiado pela Fundação VITAE, que ora encerra suas atividades depois de deixar marca indelével em nossa cultura, é mais uma prova de que o artista brasileiro está fadado a viver dando murro em ponta de faca, extraindo força da adversidade e sendo obrigado a construir o perene com o perecível.
Pedro Karp Vasquez