Exposições
Cidades Maravilhosas | Jochen Dietrich
Sobre o autor
Jochen Dietrich nasceu em Weidenau na Alemanha em 1965. Estudou filosofia, alemão e artes-plásticas nas Universidades de Munster e Siegen. Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Siegen, onde defendeu tese sobre “A Fotografia com câmara escura como meio/media na atividade de aprendizagem”.
Recebeu a bolsa Erasmus na Universidade de Aveiro e na Escola Superior de Arte e Comunicação em Lisboa, tendo realizado nos anos 1996/97 o projeto “Cine-Teatros de Portugal”. Também foi bolsista do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico DAAD (1999) e bolsista artist-in-residence do Instituto Goethe Porto Alegre, Brasil (2000).
Prêmio de excelência da Universidade de Siegen e do Distrito Siegen Wittgenstein (2004). Prêmio de Literatura da VHS Siegen, (2° prêmio, 2004). Prêmio de Artes plásticas do Instituto Politécnico de Leiria (3º prêmio e menção honrosa, 2005).
Docente de fotografia nas Universidades de Siegen e Giessen, tem orientado várias oficinas de fotografia “pinhole” pelo mundo. Desde 1984 tem exposto em vários países, entre eles no Museu Húngaro de Fotografia, o Deutsches Filmmuseum de Frankfurt, na Fotogaleria Imagolucis do Porto, na Galeria do Ateliê, no Rio de Janeiro, na VHS-Galerie, em Stuttgart, na Galerie Allehof, em Neuenrade, na IHK- Galerie e galeria art&living, em Siegen. É autor de vários artigos e ensaios em publicacaoes científicas e literárias e em catálogos de exposições.
Texto crítico
Medir as Maravilhas
Ensaio acerca de Ilusão e virtude
Ao pensarmos em nós como um buraco por onde entra luz que será projectada num pano que ocupa o espaço do nosso cérebro, sentimos um nó na garganta e garantimos a nossa presença na terra. Face a esta experiência dolorosa mas necessária urge retomarmos posse do nosso corpo como ser integro e com lugar no mundo.
Jochen Dietrich tratou de mostrar esta possibilidade aquando da série “Medidas de Segurança”, ao declarar todos os espaços passíveis de funcionar como uma camera obscura de vigilância. Garantindo a todos os outros que daí para a frente tudo seria diferente, menos assustador e mais seguro. Ao outro, que nunca se tornará espectador de um espectáculo no qual é actor, resta-lhe acreditar que sim mas também tem o dever de saber que é por ser que as declarações foram colocadas sobre as caixas.
Será esta tele vigilância pinhole um meio para garantir a tranquilidade? Sim e não. Recebendo as imagens torna-se mediadora entre a realidade como se apresenta (invertida e em espelho) e um hipotético receptor/distribuidor (o olho dos olhos), entretanto não se encontra no meio de nada, é um simulacro da sua existência, não tem nem meio nem fim, é simples começo (input) e não se vê. O espectador (que é cego a este fenómeno por definição) não sabe mas é ele o fim desta mediação invisível, tranquilize-se.
Finalidade emprestada, pois a arquitectura só o é por sua causa, ou seja, as cameras estão nas construções porque estas já lá estavam e formam imagens porque estas se deixam tornar forma.
O sistema adoptado por Jochen Dietrich para estas séries assenta numa estrutura que admite sem reservas ser meio de observação por já o ser anteriormente.
A pinhole desinteressada.
O resultado, as imagens impressas, marcadas pela luz e devolvidas ao nosso olhar desvelam o segredo das cidades enquanto cameras gigantes e omnipresentes porque o dispositivo pinhole assim o fez.
Assim podemos voltar a colocar-nos no centro do mundo visível e tentar dominá-lo pela força do nosso desejo.
Turistas na nossa terra.
No centro de tudo o que podemos ver encontramo-nos numa situação de cerco, Western com as carroças ao meio, os indios a formar um primeiro anel e a cavalaria a fechar o horizonte com um segundo anel. Estamos dentro da caixa.
O primeiro limite ao horizonte, mas que surge da constatação da sua existência, é o panorama: máquina produtora de ilusões espectaculares desenhada com o fim de simular situações reais (por exemplo: um cerco). Jochen Dietrich, com as suas pinholes panorâmicas aproxima-se desse modo de dar a ver: coloca-nos dentro da sua camera, no ponto onde os centros de todos os negativos se cruzam. Encontramo-nos cercados por uma série de enquadramentos (medidas do deslumbramento) que nos apresentam o que está do lado de fora: vistas a perder de vista do que é para nós o Rio de Janeiro mediado pela nossa imaginação. Aparentamos ser testemunhas em directo do acontecimento (momento da formação da imagem). Situação limite em que o horizonte é barrado pelo nosso desejo de ver aquilo que está mais próximo, o objecto da captura fotográfica. A ilusão perspectivista existe e é multiplicada por seis, o que se passa para lá daquilo que é fotografado ainda está presente na imagem, mas faz parte das franjas do nosso sistema perceptivo, que não labora fora dos seus interesses.
Já encolhemos para caber dentro da máquina e não sentimos nenhuma diferença.
O outro limite ao horizonte fecha-o por completo. Já não nos lembramos que no meio do Oceano se olharmos em volta só assistimos ao nosso olhar a perder-se – pelo contrário: somos forçados a ver uma cidade despojada de si, como se a moradia que ocupa o miradouro fosse a medida mínima de uma cidade composta pelos seus múltiplos. Jochen Dietrich encena os nossos sentidos, já não só a visão, mas todos: sentimos com o corpo todo o encerramento e a perca da vida dentro destas paredes. Trabalho de ilusionista consciente, que investe na sua virtude para não se deixar capturar pelos mecanismos do virtuosismo (que como bem sabemos podem conduzir a dois sentidos opostos – a imersão que nos anestesia ou a capacidade técnica e crítica de conhecer o fazer, aquilo a que eu aqui chamo virtude).
Jochen Dietrich consegue comunicar a presença da sua mão construtora e paradoxalmente humanizar aquele deserto. Não sem antes deixar claros alguns sinais perturbadores: os jogos de luz e sombra acentuam eficazmente a ilusão de realidade (que já em Simula Kram transformaram a sua pequena caixa numa instituição), de tal modo que nos sentimos protegidos na sombra (e sem luz não há tele vigilância pinhole) e é a partir daí que olhamos o espaço construído. Nestas deambulações do olhar existe ainda um outro elemento perturbador e é aqui que a mão do autor (porque os olhos são guiados pela mão e porque os olhos são o sentido excluido do dispositivo de fazer fotográfico na pinhole) nos coloca (já percebemos que a ilusão é real, fomos nós quem ficou mais pequeno) em situações com o horizonte barrado.
Mais divertido para este director é o facto de não nos admitir grande amplitude de movimentos. Jochen Dietrich dirige o nosso olhar como muito bem lhe apraz, numa intriga em que o céu desapareceu e com ele a possibilidade de existir um recorte – tornando a cidade hiper real (ou infinita) – permanece uma duração, semelhante a um ruído de fundo que ocupa o nosso espaço, provando que pinhole é uma arte da imagem retirada de um fluxo – manipulada (outra vez a mão).
O dispositivo pinhole pode então ser só aquilo que é: a sua presença, o seu ser como corpo (luz tornada presença) pede ao tempo uma parte de si, pede à meteorologia uma outra parte e ao olhar exige um afastamento (intrigado e maravilhado na presença dos seus fantasmas, é por isso difícil garantir um afastamento, daí a exigência do dispositivo).
Dentro da caixa negra o que se passa é entre a luz e o véu