Exposições
Acúmulos | Isabel Löfgren
Sobre o autor
Isabel Löfgren nasceu em 1975 em Estocolmo, na Suécia, filha de mãe brasileira e pai sueco. Cursou bachalerado em artes nos Estados Unidos e é Mestre em Linguagens Visuais pelo PPGAV – EBA/UFRJ. Atualmente cursa o doutorado em mídia e filosofia na European Graduate School, sediada na Suíça. Seu trabalho artístico prioriza a fotografia e a instalação e seu diálogo com noções de circuitos, relações espaciais e subjetividade aliados a temas políticos e sociais. Atualmente tem projetos cuja realização se faz principalmente no espaço público, com projetos individuais ou em colaboração com artistas ou grupos de pesquisa.
Realizou exposições individuais e coletivas no Brasil, Argentina, Portugal, Colômbia, Suécia e Cingapura. Fez parte do coletivo Grupo DOC, de 2005 a 2009. Sua atuação e formação artística inclui uma vertente de curadoria e pesquisa. Publicou artigos na revista de arte sueca Paletten, e participa de painéis e palestras em torno dos temas da arte como prática social, política cultural, e teoria da arte.
www.isabellofgren.com
Texto crítico
O encontro com estas imagens de Isabel Löfgren, equivale, a princípio, ao ato de adentrar-se emuma atmosfera onde predomina um forte senso de nostalgia. A fruição destas fotomontagens computadorizadas nos remete imediatamente a um desconsolo insuperável que circunda o fracasso do projeto iluminista. A perda de alcance das teses de Greenberg e da capacidade de correspondência com o universo real da arte por volta da década de 60, determina o fim do sonho moderno para nós, e, juntamente com ele, ruíram grande parte dos paradigmas que davam parâmetros para a experiência visual. É como se acordássemos de um sonho e só nos restasse a dura realidade contemporânea: nua e crua, sem norte, sem centro e sem nenhum romantismo engajador ou imaginação utópica que justifique um envolvimento de corpo e alma nos grandes desejos de transformação da condição social humana.
Reverberando esta mesma substância, as curvas e contracurvas da imagem de textura resensibilizada do edifício Copan ecoam o vazio e o silêncio de um canteiro de obras abandonado, e, neste sentido, esta imagem dialoga à distância com as alegorias ocupacionais do artista russo Ilya Kabakov que exploram, de modo melancólico e memorial, a jornada perdida da sociedade soviética no século XX. No entanto, Isabel difere desta referência em conteúdo e quantidade de questões levantadas, além do fato de suas imagens não estarem de forma alguma submetidas a uma restrição cartográfica ou cultural que possa estabelecer uma noção de território ou nacionalidade. Pelo contrário, a passeata, a torcida, a nuvem, a favela, a bolsa de valores ou o edifício residencial poderiam pertencer a qualquer lugar e a qualquer tempo, o que nos permite novas possibilidades de leitura.Ao transitarmos entre o fim de uma imagem e o início de uma outra, permanece, pela via fenomenológica, a impressão das noções de acúmulo e de atualização.
Apropriar-se, interferir e reformular imagens, à medida que as destituímos do seu caráter áureo pela circulação de imagens nos novos meios, equivale a trazê-las para o alcance dos nossos dias, atualizando-as e reinserindo-as na mesma banalidade cotidiana em que estamos e vivemos.Distante de qualquer reivindicação de originalidade, quando Isabel apropria-se de uma imagem de conhecimento público ou do senso comum, entram em questão novas relações ainda não bem definidas sobre a idéia de autoria e propriedade das imagens, agora dispostas ao domínio e uso público na redeinformatizada.Deslocar uma imagem do âmbito da cultura, para transubstanciá-la através de inserções acumulativas ativadas por uma palavra-chave em um comando de busca na internet, tanto constitui um gesto estetizante quanto de isenção estética. O uso de um software para buscar e localizar imagens dentro de uma outra, sem interferência manual alguma, nada mais é do que um ready-made no seu sentido mais literal, e daí subentende-se um princípio de isenção estética.
A sua antítese também é verdadeira: ao estabelecer um comando de busca por imagens de pornografia online para a retexturização de uma foto de torcida de futebol implica em dar premeditadamente um outro sentido à imagem primeira, ou seja, mudar o valor intrínseco e a verdade indicial da imagem, dando margem a uma nova relação que é fruto de um ato estetizante. A meu ver, Isabel demonstra, e como a coexistência destes antagonismos revelam, a ambigüidade, a dúvida, o desprendimento e a impossibilidade do artista que vive e atua no ambiente contemporâneo em livrar-se das fortes impregnações deixadas pelo nosso passado histórico mais recente. O que resta nestas imagens é uma forte sensação de que todas as intenções afetivas, estetizantes ou não, que acionamos hoje, contêm em si, de modo inexorável, procedimentos duráveis. Produzir visualidades hoje e estar inserido na cultura deste momento, talvez signifique estar sujeito a lidar com todas estas noções elásticas, transversais, plurais e descentradas que permeiam o ambiente da arte nesta modernidade tardia.
João Wesley de Souza